Curitiba, uma cidade de imigrantes

“Instituições, religiosas principalmente, fazem o primeiro
acolhimento. Nós entramos no segundo momento, que é o do trabalho”, explica
Marcela Milano, da Linyon, organização que se propõe a conectar estrangeiros no
Brasil ao mercado de trabalho. “Nós recebemos contato por formulário, que
normalmente é preenchido na Pastoral do Migrante, na Igreja Adventista do
Portão ou na Casa Latino-Americana”, explica.

“Uma das nossas maiores preocupações é com a exploração
trabalhista a que estão sujeitos, acontece muito”, relata Marcela. “Ajudamos a
abrir empresa, conta no banco. Como eles não têm título de eleitor, não dá para
abrir MEI [microempreendedor individual, pessoa jurídica vinculada ao cadastro
de pessoa física], por exemplo”. Apesar da Linyon ser um projeto voltado à
renda, os imigrantes têm diversos problemas para resolver, além da própria
sobrevivência – e quem sabe viver um pouco.

A
Prefeitura de Curitiba já realizou atendimento da Secretaria Municipal de
Trabalho e Emprego na Igreja Ortodoxa São Jorge, nas Mercês. Refugiados sírios
que buscavam emprego em Curitiba foram orientados sobre obtenção de vagas de
empregos, emissão de carteira de trabalho e qualificação. Também foram
cadastrados “para que sejam procurados quando surgirem vagas”, segundo o portal
de notícias do município. A administração municipal ainda auxilia na
regularização de visto de 500 imigrantes haitianos e atualmente estuda a
criação de centro de referência para imigrantes.

Imigração e cidadania

Segundo o ponto de vista do direito internacional, a
administração municipal está correta em procurar articular diferentes
secretarias e órgãos públicos para acolher as pessoas migrantes. Afinal, sob a
coordenação da Assessoria de Direitos Humanos, a Prefeitura tem mobilizado para
o tema secretarias como a da Mulher, da Pessoa com Deficiência, de Governo, de
Recursos Humanos, a Companhia de Habitação (Cohab), a Fundação Cultural de
Curitiba (FCC) – na promoção de ações de visibilidade para combater atos de
xenofobia – e a urbanização de Curitiba (Urbs) – na emissão de cartões para o
transporte coletivo. Informações da assessoria de comunicação do município.

Famílias estrangeiras cadastradas ainda têm acesso ao
Armazém da Família, programa que vende alimentos por preços, em média, 30% mais
baixos. Entretanto, as dificuldades enfrentadas em um país estrangeiro já
começam com a linguagem. Algumas escolas municipais até oferecem aos imigrantes
vagas em turmas de língua portuguesa. “Mas é diferente do português para
estrangeiros, em que o método de ensino é voltado para uma segunda língua. Na
escola, somos alfabetizados e aprendemos português como língua materna”, aponta
Bruna Ruano, professora de Letras na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Ela faz parte do projeto Português Brasileiro para Migração
Humanitária (PBMH), do Centro de Línguas e Interculturalidade (Celin/UFPR).
Desde 2013, mais de 800 pessoas – atualmente atendem cerca de 200 alunos – já
passaram pela sala 28 do prédio histórico da universidade na Praça Santos
Andrade.

O ensino de línguas não é a única coisa que fazem. “Eles
trazem o contra-cheques e verificamos se tem algum problema trabalhista. Além
disso, como nós ensinamos por meio do computador e muitos deles não tem
inclusão digital, o projeto acabou se conectando com outros departamentos da
UFPR e cresceu para além do ensino do português”. Hoje, os departamentos de
Letras, Sociologia, Direito, Psicologia, História e Informática também estão
envolvidos.

“Acreditamos que a multidisciplinaridade é o único modelo
possível para trabalhar com esse público”, pontua Bruna. O PBMH faz parte de um
programa de extensão universitária chamado Política Migratória e Universidade
Brasileira (PMUB), uma parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados (Acnur/ONU). A extensão é a
terceira perna do tripé Ensino, Pesquisa e Extensão e representa a ação social
junto à comunidade que toda universidade pública do Estado brasileiro deveria
cumprir.

O programa ajudou na criação de um edital anual para o
aproveitamento de vagas remanescentes na universidade para imigrantes que
deixaram cursos equivalentes em seus países de origem e que querem reingressar
no ensino superior. “Hoje temos 22 estudantes universitários, entre sírios e
haitianos. Gostaríamos que o município nos ajudasse a conseguir transporte para
os alunos de português na aula do sábado. Conversei com a Prefeitura e me
pediram que fizesse um requerimento, que vamos providenciar”, planeja o
professor Dr. José Antônio Peres Gediel, que coordena o programa de extensão na
UFPR.

Esforço coletivo

A imigração faz parte de um grupo de temas que precisam ser
pensados por diferentes setores, seja na teoria ou na prática. No caso do
município, envolve toda a gestão pública, o sistema de educação, de saúde, de
trabalho, de assistência social, de cultura. “O poder público tem realizado
algum apoio, mas pouco. Por exemplo, não temos uma casa de acolhida em
Curitiba, onde [imigrantes] possam permanecer de quinze a trinta dias para que
possam se estabelecer na cidade”, aponta Nádia Floriani, advogada voluntária na
Casa Latino-Americana (Casla) e ex-presidente da Comissão de Direitos dos
Refugiados e Migrantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Paraná.

A última década registrou aumento no fluxo de imigrantes
pelo mundo e da escalada de conflitos no Oriente Médio – apenas na Síria, cerca
de 250 mil pessoas foram mortas pela guerra, de acordo com a ONU em fevereiro
de 2016. “No Brasil faltam políticas públicas”, explica o professor Thiago
Assunção, que coordena o grupo de iniciação científica Mobilidade Urbana
Internacional e Direitos Humanos no Centro Universitário Curitiba. “O Brasil
assinou a Convenção Internacional dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e
Suas Famílias, em 2003, mas o Congresso Nacional ainda não ratificou. O Estado
do Paraná criou o Conselho Estadual dos Direitos Refugiados, Migrantes e
Apátridas do Paraná (CERMA-PR) em 2015 e Curitiba precisa que os direitos
humanos dos imigrantes sejam respeitados. Precisa que o âmbito municipal tenha
estrutura própria para pensar essa política”, sugere.

As disputas internacionais pelo petróleo continuam no
Oriente Médio, na Europa Oriental e na Venezuela e será necessário contar com a
solidariedade entre os povos e suas nações para acolher o fluxo migratório
contemporâneo. Por conta de seu passado, Curitiba já conhece as dificuldades da
imigração e do refúgio pela guerra. Com a criação da Comissão Municipal de
Direitos Humanos pela Prefeitura de Curitiba em setembro de 2015, a gestão
pública se obriga a tomar ação.

Agora, o município precisa se preparar para fazer um
acolhimento que atribua a imigrantes e refugiados o mesmo respeito que a
Constituição Federal garante aos cidadãos brasileiros. “Hoje o desafio é
preparar os brasileiros para receber as pessoas com empatia. Falta o debate da
imigração no Brasil, entenderem que as pessoas não estão aqui para roubar o
emprego, mas por uma dificuldade real que os tirou do local de origem”, conclui
Marcela Milano, do Projeto Linyon.

Organizações que atuam com acolhimento a imigrantes em Curitiba:

Cáritas brasileira – Arquidiocese de Curitiba

Endereço: Rua Paula Gomes, 703. 1º andar – São Francisco

Telefone: 3023-9907



Casa Latino – Americana (Casla)

Endereço: Rua João Manoel, 140 – São Francisco

Telefone: 3013-7570



Igreja Adventista do Sétimo Dia – Portão

Endereço: Rua Maranhão, 2200 – Água Verde

Telefone: 3018-8146



Pastoral do Migrante – Centro de Atendimento ao Migrante (Ceamig)

Endereço: Avenida Manoel Ribas, 6252 – Santa Felicidade

Telefone: 3272-0466

O Paraná criou o CERMA-PR em 2015 e Curitiba precisa que os direitos humanos dos imigrantes sejam respeitados. Precisa que o âmbito municipal tenha estrutura própria para pensar essa política