Neste
ano, a França vive manifestações de trabalhadores e jovens, que lutam contra
uma reforma trabalhista que ameaça direitos conquistados ao longo de décadas. Jean-Pierre
Raffi, sindicalista francês, redator do jornal Tribune des
Travailleurs, esteve presente a Curitiba, onde participou de debate sobre a
situação das manifestações na França e também analisou o impacto das políticas
da União Europeia sobre o povo. Na avaliação dele, a saída do Reino Unido da
União Europeia respondeu à violência das medidas impostas pela EU e à negação
da soberania para as nações da União Europeia.
Imprensa do Sismuc. O senhor pode dar
um panorama dos ataques aos direitos dos trabalhadores na Europa e na França?
Jean-Pierre
Raffi. Na verdade há anos
existe uma contrarreforma global que se refere à Previdência Social, à
aposentadoria, aos postos de trabalho, que vão diminuir bastante, e também
ataques contra o serviço público, que de uma forma geral é parte do salário e
dos direitos adquiridos pela população. É nesse contexto que se inscreve o
projeto de lei que é um golpe contra o Código do Trabalho (francês). Tudo isso
está dirigido pela dita União Europeia, aquela composta por um parlamento que
não tem nenhum poder a não ser examinar e acatar as decisões propostas pela
Comissão Europeia. Essa comissão não tem nenhum mandato, não presta contas a
ninguém. Então tem um duplo sentimento por parte desses países que é de, um
lado, a perda da condição de vida e de trabalho, e a perda de soberania para um
organismo sem controle. Por exemplo, na França 90% das leis adotadas são
desdobramentos desse corpo dirigente europeu. E o trabalho da Comissão Europeia
é fiscalizar todas essas medidas tomadas ou não pelos governos, pressionando
esses governos por meio de chantagens. Isso explica o que está acontecendo na
Inglaterra, com 52% dos votos para sair da União Europeia.
Isso porque os países perdem sua
soberania?
E
o povo perde seus direitos sociais. O número de jovens desempregados na
Inglaterra, na França, é terrível, na Grécia está submetido à decisão do FMI e
do Banco Central Europeu, que pregam corte de salário, de funcionários do
Estado, corte na aposentadoria, mais da metade da juventude grega está fora do
mercado, a juventude que tem a legítima vontade de trabalhar, mas não pode. O
número de hospitais e serviços deve fechar. Mas é isso. Você tem a Grécia que é
o cúmulo do exemplo na União Europeia, porém na França, no meu departamento
(estado), há nove hospitais. Desses nove hospitais, com as medidas que toma o
governo vão levar à existência de apenas dois hospitais no pleno exercício,
capazes de atender a qualquer problema de saúde da população.
E essas medidas de ajuste, que também
temos visto no Brasil, vêm junto com uma criminalização do movimento sindical?
É
um ajuste brutal. Na França, a forma atual do ajuste, no confronto entre o
governo e os trabalhadores, é a reforma do Código do Trabalho, que acumula
direitos e proteção da classe operária há mais de um século. Quer se acabar com
isso. O Código de Trabalho tem cinco centímetros de espessura (compara), mas
querem substituir por outro que não tem mais que cem páginas. Simplesmente vai
estabelecer as bases mínimas. O resto será na negociação em cada empresa, que
pode levar a menos direitos, horários de trabalho prolongados sem salários
adicionais, salários diminuídos em troca de pretensa redução de corte nos postos
de trabalho. Esse governo (François Hollande) não tem legitimidade para fazer
isso, não foi eleito sobre essa base, pelo contrário. Esse governo para
conseguir que seja adotada a Lei de Reforma do Código usou o artigo 49 da
Constituição da Quinta República (Constituição, estabelecida após 1958) artigo
que permite ao governo substituir o voto sobre a questão da reforma pelo voto
sobre se há confiança (no governo).
E qual foi a reação dos trabalhadores?
Faz
mais de quatro meses que há greves e manifestações para repudiar essa reforma.
Há duas semanas o governo tentou coibir as manifestações, usando outro fato da
Constituição da Quinta República, sobre o Estado de Emergência, que limita os
direitos individuais. O governo tentou utilizar este pretexto para a interdição
de manifestações. A reação maciça da classe operária, do povo, e até mesmo de
alguns parlamentares do Partido Socialista que está no governo, levou o governo
a recuar deste “golpe dentro do golpe”, mas tentando limitar a expressão dessa
manifestação. Para ter ideia, a praça concedida pela manifestação era fechada
nas ruas e avenidas, com grades de polícia. Para entrar na praça, para se
manifestar, devia se apresentar carteira de identidade, cada um devia abrir a
sua bolsa, sua mochila… então 50, 60 mil pessoas se manifestavam nessas condições.
Você tem a Grécia que é o cúmulo do exemplo na União Europeia, porém na França, no meu departamento (estado), há nove hospitais. Desses nove hospitais, com as medidas que toma o governo vão levar à existência de apenas dois hospitais no pleno exercíc