ESPECIAL: Canções tristes nos parques de Curitiba

– Se ele viesse aqui e eu pudesse dizer algo para o Fruet, eu diria que ele devia olhar para a nossa situação! 

Essa
é a frase marcante no relato de um servidor público do parque Barreirinha.

Em
meio aos belos e calmos cenários e posts
dos parques de Curitiba, num trabalho que poderia ser até considerado uma
benção – se comparado com a rotina fria de um escritório –, na realidade existe
um sentimento de vazio. Guardas municipais, servidores polivalentes e
(pouquíssimos) fiscais pedem socorro. Estão desanimados com um trabalho que não
empolga.

No
Parque Barigui, um dos mais atraentes da velha capital ecológica, chama a
atenção o número maior de guardas municipais se comparado a outros parques. São
oito ao todo e há também o uso de câmeras e ronda policial.

Porém,
o número de fiscais de meio ambiente, no parque mais glamouroso da capital
paranaense, é de apenas um servidor. E ele tem que dar conta de um parque
inteiro. Foi impossível, inclusive, a reportagem encontrá-lo.

Aqui
começam os problemas. O guarda municipal não tem os materiais necessários para
cumprir uma série de tarefas do fiscal ausente. É o caso do decibelímetro, para
medir a altura do som, e também do bloco de notificação e o auto de infração para
aplicar multas, explica Giuliano Gomes, fiscal e coordenador do Sismuc.

“Não
temos como. Damos a orientação sobre som alto, mas não podemos fazer nada. Não
podemos aplicar multa”, expõe um guarda municipal, que preferiu não se
identificar, enquanto fazia ronda dentro do Parque Tingui.

O
resultado, com isso, é frustrante e até vergonhoso para o trabalhador. Os
relatos são deprimentes. O guarda público narra que pode apenas, em dada
situação, orientar o usuário do parque sobre o uso de guia para cães. O que não
é respeitado. Outros problemas estão na lista: fio de pipa com cerol, uso de
drogas, pescaria nos lagos, estragos ao meio ambiente, playboys escutando som
alto nos carros, brigas de gangues agendadas no Parque Bacacheri.

“Aqui
no Barigui ainda caminham políticos que vivem na região”, minimiza guarda
municipal, que preferiu não se identificar. O que provoca a pergunta: como está
a situação de outros parques não tão visíveis?

No
Tingui, localizado no bairro São João, repleto de capivaras simpáticas, mas com
pouquíssimos trabalhadores, guardas municipais e polivalentes afirmam que o mal
exemplo vem inclusive da Prefeitura. Isso porque a “prefs” organiza eventos
como “A corrida da Lua Cheia”, o que sobrecarrega a já combalida tropa de um
exército de pouquíssimos fiscais e servidores polivalentes.

“O
cidadão comum simplesmente mete o carro ali” – o guarda municipal aponta o gramado
cheio de marcas.

Tingui e Tanguá: “O que será, que será?”, Chico Buarque

“Os
parques estão preservados hoje graças à cultura do povo de preservação, e não
pela Prefeitura”, reflete Giuliano Gomes, fiscal e diretor do Sismuc. 

Isso
quer dizer que há uma cultura respeitada pela maioria das pessoas nos parques, o
que compensa um pouco a falta de estrutura de cuidado e fiscalização. A manutenção
é terceirizada. Os problemas, também. “Fazemos manutenção e não fiscalização do
parque”, já se adianta um trabalhador polivalente, afirmando que vê todos os
dias irregularidades num dos parques da cidade – belas pescarias, por exemplo –,
mas não vê meios de evitá-las.

Perto
dali, no Parque Tanguá,dois
polivalentes e uma unidade da guarda
municipal são insuficientes. Um dos servidores atua sob o jaleco e a condição
de “orientador ambiental”.

Novamente,
fica o sentimento de insuficiência: “Orientador ambiental só orienta, mas não
pode notificar. Você é fiscal, mas você pode não me multar nem nada. Na hora, a
pessoa pode estar nervosa. Você fica sujeito à insegurança”, avisa Gomes. De acordo com a Prefeitura, o quadro de
fiscais do meio ambiente é composto de 72 servidores.

Visita ao parque Barreirinha: “Caras como eu estão ficando velhos”, Titãs.

Em
plena quarta-feira à tarde, o parque Barreirinha está vazio.

O
Sismuc chegou a receber denúncia de que o espaço não abria durante a semana, o
que na realidade não se confirmou. O local está aberto à visita, mas apenas um
polivalente vigia o espaço, um dos mais bonitos da cidade. O portão, com isso,
fica entreaberto. Lá dentro, o cenário deserto é digno para as gravações da
nova temporada do seriado “The Walking Dead”.

Trabalhador
há 18 anos no local, enquanto outros dois colegas de profissão estão afastados
por Licença para Tratamento de Trabalho (LTS), o próprio polivalente admite que
está em vias de se aposentar.

E
não há perspectiva de reposição de funcionários, devido à falta de concurso
público. “A gestão vai sucateando, porque quer terceirizar (os parques). O que
vai estourar na população. Esse ano vão aposentar 300 entre 600 servidores. Não
temos perspectiva nem de dois anos na profissão”, lamenta Nathel Cardoso,
polivalente e diretor do Sismuc.

Desvio de função no Jardim
Botânico: “Vou buscar alguém, que eu nem
sei quem sou”, Los Hermanos
.

Uma
agente administrativa atravessava o principal cartão postal de Curitiba – o
Jardim Botânico, inaugurado em 1991 – carregando um carrinho repleto de vasos.

A
imagem bonita, na realidade, revelava um problema comum nos parques quando o
assunto é relações de trabalho. Trabalhadora há mais de 30 anos na Prefeitura,
na verdade estava em desvio de função, em uma atividade que não é parte do seu
descritivo.

“Acho
horrível a falta de funcionário e o uso por parte da Prefeitura de funcionários
‘tapa-buraco’. Os funcionários em final de carreira sujeitam-se a isso, até
para não ter problemas em período de aposentadoria”, diz Giuliano Gomes,
diretor do Sismuc.

Bacacheri: “Não dá pé, não tem pé nem
cabeça”, Zé Ramalho.

O
parque Bacacheri, na região nordeste da capital, contém talvez os relatos mais
duros. Há um único fiscal, dois polivalentes e em média três guardas municipais
fixos no parque. À exceção dos guardas, os demais conseguem atuar apenas
durante a semana. O que é estranho, porque é justo nos domingos que o parque lota.

Os
guardas logo reclamam. Disparam uma metralhadora de problemas, mágoas e
dificuldades para atuação. Listam outros problemas que precisam fiscalizar, mas
sobre os quais não tem muito controle: jovens usando drogas, fumando o narguile,
ou mesmo numa brincadeira de pipa com uso do cerol. A meninada voando no skate
também está proibido. O que se vai fazer?

Elizabeth,
guarda municipal, usa a imagem de que “preferia às vezes se esconder”. E não é
só força de expressão. Afinal, frente a demandas em diferentes áreas, ela sabe
que não há condições de cumprir o seu papel. “Nossa sensação é de impotência.
Somos massacrados. Não temos condições de fazer a segurança. Então, passamos a
sensação de segurança para as pessoas, mas não a segurança de fato”, confessa.

Relatórios
para a Prefeitura foram insuficientes para mudar a situação, de acordo com ela.

“Não
temos zeladora, fazemos a mão de obra toda, lavo o banheiro até hoje. Não tem
álcool para depois que abordamos as pessoas. Assim há desânimo”, afirma,
enquanto escancara os quatro rolos de papel higiênico recebidos na unidade por
mês. O resto é do próprio bolso dos servidores, de acordo com eles.

E
aguardem. Até o fechamento desta edição, a reportagem não conseguiu atravessar
a zona sul. Tema para o próximo capítulo.

Visão da Prefeitura

O Sismuc consultou a Prefeitura de Curitiba, por meio da sua Assessoria de Imprensa, sobre as questões que surgiram nos relatos de servidores lotados nos parques: ausência de fiscais, o que acarreta sobrecarga de trabalho e desvio de função; o papel limitado dos guardas municipais e necessidade de concurso público. Abaixo segue a resposta da gestão:



“A Prefeitura de Curitiba possui um cuidado constante com a saúde dos seus servidores e realiza, por meio do Departamento de Saúde Ocupacional da Secretaria Municipal de Recursos Humanos (SMRH), palestras voltadas para a prevenção e a promoção da saúde dos trabalhadores, além da prática de exames periódicos.



Informamos ainda que a SMRH mantém um canal permanente de comunicação com as pastas envolvidas para discutir as reais necessidades de dimensionamento de pessoal, sempre visando o melhor atendimento à população de Curitiba”.