À população, com amor – Confira reportagem especial

Letícia hoje tem mais de dois anos de idade, mas até um mês
atrás ela conhecia apenas a UTI Neonatal do Complexo Hospital de Clínicas (CHC).
Ela nasceu com uma síndrome rara que apresenta anomalias vertebrais e costais,
causando insuficiência respiratória.

Agora, em casa, com a estrutura montada no ambiente simples
onde vive, dispondo de procedimentos farmacêuticos e medicamentos, dois
torpedos de oxigênio renovados a cada dois dias, a criança conta com a atenção
de uma equipe multiprofissional. Auxiliares, técnicos e enfermeiros estão incluídos
nessa equipe, e também aprenderam a lidar com a nova situação. Eles fazem visitas
diárias à casa da menina, às vezes duas vezes por dia.

A Unidade de Saúde Santa Amélia, no bairro Fazendinha, tem a
área de cobertura de 18 mil cadastros definitivos. São ao todo 197 mil cadastros
no Distrito do Portão, que abrange seis unidades de saúde, de acordo com a
prefeitura. “É um caso específico. De uma unidade de atenção básica à saúde, de
baixa complexidade, atendendo um caso de alta complexidade”, dimensiona Irene
Rodrigues, coordenadora-geral do Sismuc.

Certo é que cenas como esta mostram um pouco do enfermeiro na
sua labuta. Ele trabalha em diferentes frentes, no serviço público, privado,
empresarial e domiciliar. Forma a segunda categoria com maior número de profissionais
no Brasil, chegando a 1,6 milhão de acordo com pesquisa da Fiocruz e do
Conselho Nacional de Enfermagem.

A dedicação da equipe da Santa Amélia é grande. A
pressão diária para a mesma equipe fazer os atendimentos na unidade e ainda ir
a campo, idem. Durante a primeira visita da reportagem, o relato de servidores
apontou pressão para conseguir vencer o atendimento em domicílio, em alta
complexidade, em meio à falta de funcionários.
O que sugere sobrecarga. “A prefeitura não está dando a estrutura
necessária. Os profissionais acabam pagando o próprio transporte até a
residência. E temos casos de acúmulo de função”, aponta Irene.

De acordo com a gestão, a ida às casas dos moradores
acontece em horários quando a demanda é menor, justifica Cleverson Fragoso,
coordenador de Atenção do Distrito do Portão. Ele afirma também que enfermeiras
e auxiliares de enfermagem passaram por capacitação no Hospital do Idoso para
lidar com um caso delicado como o da menina Letícia.

“Os usuários
reconhecem o nosso trabalho”, diz enfermeira.

Dedicados ao povo, os diferentes segmentos da
enfermagem necessitam de valorização. Servidores apontam que a satisfação
pessoal existe, ao atender a comunidade, porém a compensação salarial e de
condições não acontece na mesma medida.

“Os usuários reconhecem nosso trabalho. Enfrentamos a falta
de medicamentos. No dia a dia a gente não tem resposta, a prefeitura não dá
acompanhamento emocional, sofremos desvio de função, o que gera afastamentos
por medicina do trabalho”, aponta servidora que preferiu não se identificar.

Ainda assim, é notório que o profissional está focado
no cuidado com o ser humano – mais até do que prevenir ou remediar possíveis
doenças. “O que marca é o convívio onde está inserido. Há um cuidado desde o
momento do pré-natal, quando a pessoa nasce e ao longo da vida”, elenca a
enfermeira Josiane Fernanda Reali Cavalheiro, coordenadora local e de Saúde da
US Santa Amélia.

“As pessoas não
se incomodam com a nossa doença”, afirma Alice, enfermeira.

Há também, na fala das enfermeiras, um desejo por
mais, por conseguir a estrutura necessária para fazer melhor. “Há quinze anos,
a gente tem um retorno da comunidade, que nos acolhe, respeita o nosso serviço.
A profissão se fosse valorizada a gente conseguiria contribuir bem mais para a
comunidade, teríamos condição melhor de atendimento”, pensa Alice Silva, enfermeira
da Unidade São Domingos, no bairro Cajuru, para quem o profissional é aquele
que tem o cuidado com toda a população, mas nem sempre suas questões e dores têm
visibilidade.

A Semana da Enfermagem prevê uma série de atividades
voltadas ao debate da profissão. O desejo, de acordo com Alice Silva,
enfermeira, é que na “Semana de enfermagem os gestores olhem para a categoria,
em nível financeiro e de trabalho”, diz.

Nesse sentido, profissionais elencam também junto com
a sobrecarga os riscos à Saúde do Trabalhador, a necessidade de prevenir doenças
físicas e mentais, o que gera afastamentos do local de trabalho. Em uma
profissão de maioria feminina, essas questões ficam ainda mais gritantes.

Posição da Prefeitura

Em resposta ao questionamento do Sismuc à prefeitura sobre o comentário de enfermeiras afirmando vivenciar sobrecarga, acúmulo de função, e também sobre o processo de valorização dos servidores, a gestão enviou o comentário abaixo:

A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) trabalha desde o início desta gestão com a valorização dos seus servidores. Exemplo disso é a ampliação da participação e do envolvimento dos profissionais de enfermagem no atendimento clínico dos pacientes, uma demanda histórica da categoria. O aumento das consultas de enfermagem na atenção básica à saúde mostra o papel essencial de enfermeiros e auxiliares no desenvolvimento do cuidado dentro da equipe das unidades de saúde. Na atenção especializada, é investido na capacitação dos profissionais – da oferta de cursos à implantação das residências de enfermagem obstétrica e multiprofissional em saúde do idoso e saúde da família.



No âmbito do trabalho, a remuneração fixa de todos os profissionais da Prefeitura foi ampliada (inclusive os da Saúde); concurso público com cerca de cinco mil inscritos foi realizado para a contratação de mais 31 enfermeiros e 39 técnicos de enfermagem e, a partir deste ano, de forma escalonada, os auxiliares de enfermagem qualificados passarão por processo de transição para assumir cargo de técnicos de enfermagem.



A respeito das atribuições funcionais, a SMS esclarece ainda que o decreto 560, de 2013, determina que é papel das equipes de todas as unidades básicas de saúde de Curitiba prestar atenção domiciliar em casos específicos, como o da paciente Letícia de Souza Iagnes, atendida em escala por profissionais da unidade de saúde Santa Amélia, do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) e do Serviço de Atenção Domiciliar (SAD).

Bernardete, enfermeira, organizou o Movimento de Enfermeiras em Luta

As principais lutas nacionais da categoria são pela nacionalização do piso salarial e jornada de trabalho de 30 horas por semana.

A redução da carga horária chegou a ser aprovada no Congresso Nacional, em 1997, mas o presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) vetou. “(Não aprovam porque) afeta diretamente o lucro das empresas e o interesse privado, porque hoje em dia se reduz a carga horária, grandes hospitais têm queda nos lucros”, afirma Bernardete Monteiro, enfermeira em Belo Horizonte (MG).

Bernadete Monteiro defende que, pelo seu vínculo com o povo, o profissional também pode se organizar a partir dos bairros. Bernadete organizou, em Minas Gerais, o Movimento de Enfermeiras em Luta, em 2007, com profissionais da rede estadual e privada, organizando “Assembleias populares para defender a equipe de saúde na comunidade”, diz.