O direito à rua e à cidade é um direito humano das mulheres

Falar
sobre os direitos das mulheres é, inevitavelmente, falar sobre um dos grandes
mitos da modernidade: a divisão entre espaço público e privado. Tal divisão é
utilizada de acordo com a conveniência, sempre com o intuito de invisibilizar
as pautas das mulheres. Afinal, ao mesmo tempo em que a violência doméstica
ainda é vista como um problema a ser resolvido entre homem e mulher por ocorrer
no espaço da casa, quando a violência ocorre no espaço público, nem por isso ela
se torna mais discutida. A questão do assédio nos espaços públicos mostra isso.

Embora
praticamente toda mulher tenha uma história de agressão no espaço público para
contar, pouco se fala sobre o assunto. Não há muitas pesquisas e estudos sobre
o tema, e só recentemente, por mérito do movimento feminista, é que tal pauta
ganhou os jornais, as discussões do cotidiano e por vezes a política. Esse
silêncio briga com os números: de acordo com o Mapa da Violência 2015, 31,2%
dos homicídios femininos ocorre em vias públicas. Se levássemos em conta também
o assédio, os estupros (com ou sem conjunção carnal) e os ataques sexuais como
um todo (homens que encoxam e até ejaculam nas mulheres), esse número
certamente seria maior.

O
grande problema reside no fato de que este é visto como um tema “menor”. A
idéia de que o corpo feminino é um objeto disponível e passível de ser tocado,
espancado e violentado contribui fortemente para essa indiferença, como se
fosse destino da mulher que se coloca no espaço público aguentar essas
violações, um ônus para aquela que “ousa” transpor a barreira do espaço
doméstico.

Na
prática, isso significa que ou mulheres enfrentarão violências diárias,
impedidas de usufruir integralmente os espaços, serviços e equipamentos
públicos, ou então se esconderão em casa. Com isso, tolhe-se o direito humano
da mulher à educação, ao lazer, ao trabalho e até à política.

O que fazer?

Com
o intuito de erradicar esse tipo de violência, várias soluções já foram
propostas, que vão da criminalização e ônibus exclusivos para mulheres até campanhas
de conscientização e a abordagem da violência de gênero na escola. Para uns, a
criminalização passaria a mensagem de que este não é um problema social menor,
enquanto que para outros é apenas um reforço do punitivismo estatal, incapaz de
dar conta de um problema cultural.

Os
ônibus exclusivos são vistos como um paliativo que alivia a rotina de violência
vivida por muitas mulheres, principalmente as trabalhadoras. O lado negativo
seria o fato de que a medida impõe às mulheres o ônus de se proteger, e que as
que não puderem/quiserem usar o ônibus exclusivo ficarão à mercê dos homens nos
convencionais, como se dessem sinal verde para a agressão.

A
conscientização por meio de campanhas e do ensino nas escolas é vista como uma
medida mais efetiva. Porém, numa sociedade onde o conservadorismo e o ódio
crescem, a discussão sobre gênero está cada vez mais comprometida. De toda
forma, é preciso lutar para pautar a discussão. Na atual situação, não há outra
saída para as mulheres.