Mídia, monopólio e insegurança estão no centro do debate

Jornalista de longa experiência na imprensa e na televisão do Paraná, o professor universitário Elson Faxina passou a integrar o Comitê Regional de Proteção aos Jornalistas do Paraná. Em entrevista, ele analisa o atual cenário da comunicação no Paraná que, recentemente, envolve as perseguições a jornalistas vindas de órgãos do Estado, a mídia pública completamente abandonada e outras reflexões que colocam a mídia no centro do debate neste momento de efervescência política.

Abaixo reproduzimos a entrevista na íntegra com Faxina.

Publicada no Jornal do Sismuc, abaixo reproduzimos a íntegra da entrevista com Faxina.

Jornal do Sismuc. Em cerca de dois anos, dois jornalistas foram refugiados do Paraná devido a perseguições por parte de órgãos do Estado ou por investigar esses órgãos. Qual é o risco que a sociedade corre quando jornalistas são ameaçados?

Faxina – É muito comum o jornalista ser ameaçado por gangues, máfias, crime organizado ou pessoas denunciadas pela mídia e buscar e ter a proteção do Estado. Mas os últimos acontecimentos no Paraná indicam uma situação da maior gravidade porque as ameaças surgem a partir da investigação de instituições do próprio Estado, deixando entender que partem dessas mesmas instituições ou de pessoas vinculadas a elas. Ou seja, partiriam do próprio Estado, daquele que deveria proteger o cidadão, garantir a liberdade de expressão. Por isso, os casos dos jornalistas Mauri König e James Alberti, que tiveram que deixar o Paraná para preservar a própria vida, são de extrema gravidade e colocam em xeque todo o discurso do atual governo do Paraná de defesa da liberdade de imprensa. Ora, um governante tem a obrigação de tomar atitudes concretas, firmes, de defesa das liberdades individuais e coletivas. No entanto, até o momento não vimos uma única ação contundente do governador Beto Richa nesse sentido, a não ser as costumeiras palavras, que apenas reforçam que ele é um homem bom de discurso e péssimo de trabalho. Se um governante não chama para ele a solução de um problema grave como essas duas ameaças a jornalistas que apenas estão cumprindo seu dever profissional, ele, de alguma maneira, corrobora com a perseguição. Para provar o contrário, Beto Richa tem a obrigação de colocar o serviço de inteligência do Estado para identificar e trazer a público o autor, ou os autores, dessas duas ameaças, e denunciá-las à Justiça.

Os jornalistas no Paraná se manifestam em defesa de jornalistas perseguidos. Na mesma semana, os movimentos sociais no Brasil se pronunciam contra o monopólio da comunicação representado pela Globo. Esta é a dimensão correta do debate, criticando o monopólio das empresas e protegendo o trabalho dos repórteres?

Sim, precisamos atuar nessas duas frentes: defender os jornalistas ameaçados e denunciar o nefasto monopólio da comunicação no país, que impede que haja, de fato, uma democratização da comunicação e, portanto, exista uma democracia política, econômica, social, cultural. O sistema de concessão de rádio e televisão no Brasil é anticonstitucional. O artigo 223 da Constituição de 1988 estabelece que essas concessões devem observar “o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. No entanto, o que vemos hoje é um modelo privado, comercial, mercantil, do “toma lá dá cá”, com raríssimas iniciativas de Estado e a criação de todo tipo de empecilho para que haja rádio e TV de fato públicas. E se não tivermos um sistema igualitário entre as três esferas da sociedade, isto é, se não tivermos redes de rádio e televisão, com o mesmo alcance, pertencentes ao mercado, ao Estado e à sociedade civil organizada, a gente nunca vai ter uma democracia de fato no país. Afinal, o poder simbólico é definido hoje pelo complexo das mídias. Nós vivemos numa sociedade em que o conhecimento é cada vez mais midiatizado. E se essas mídias trazem apenas um olhar – e nesse caso o olhar do mercado – os valores de convivência democrática que vai se consolidando é o do mercado, e não o do Estado e o da sociedade civil. E o problema é que até hoje o Congresso Nacional não se dignou a regulamentar este dispositivo constitucional. O motivo é claro: a imensa maioria dos senadores e deputados representa o mercado e não a sociedade civil e só vê o Estado como aquele que deve estar a serviço do agronegócio, dos industriais, ou seja, dos donos dos meios de produção.

Outro debate pendente no campo da comunicação e relação com o governo Richa é o tema da Rádio e TV Pública (RTVE), na qual você trabalhou. Por que o abandono atual da RTVE? Uma comunicação pública ainda é possível?

O Paraná nunca teve, de fato, uma TV Pública. Teve sim uma TV Estatal. O que, em si, não é um problema. Uma TV do Estado é, por origem, mais democrática do que uma TV privada. Afinal, o gestor de uma TV do Estado é eleito a cada quatro anos, enquanto o gestor de uma TV privada nunca é eleito, ele se impõe pelo dinheiro. O problema é quando se confunde uma TV estatal com uma TV do governante de turno. Como se fosse uma propriedade pessoal dele. Esta tem sido a prática das duas décadas e meia de história da Rádio e Televisão Educativa do Paraná. Para ilustrar essa prática basta observar como toda vez que o governo do Paraná muda de partido, muda-se também o nome da emissora. Uma profunda estupidez em se tratando de comunicação. O nome de uma emissora leva-se tempo para se consolidar no imaginário social. Aí chega um novo governo e decide literalmente extinguir uma emissora e iniciar uma nova. Outra ilustração é a falta de concurso público para os profissionais que trabalham nessas três emissoras. São duas rádios e uma televisão.

Muito se fala nas redes sociais que o governo federal coíbe a prática jornalística. Na sua opinião, é isso o que temos visto na prática?

Há no Brasil hoje uma contradição grave entre a realidade física e a realidade simbólica, virtual. Isto é, uma coisa é o que acontece de fato, outra é o que se divulga. Afinal, durante todo o período do famoso mensalão e agora o do petrolão (para usar duas terminologias difundidas pelos ventríloquos da direita presentes na grande mídia brasileira) nenhum jornalista foi perseguido ou teve que deixar o país, mesmo que muitos deles tenham ditos enormes barbaridades, feito pregações de baixo nível contra o próprio governo federal. Um resultado concreto desse tipo de divulgação é que a presidente Dilma Rousseff já foi “condenada” como corrupta por centenas de milhares de brasileiros, que foram às ruas nos últimos meses, sem sequer ter sido citada nos escândalos de corrupção, portanto não foi investigada, julgada ou condenada. Fica claro que ela foi “julgada” e “condenada” por essa orquestração policialesca, judicialesca e de politicagem da pior espécie, da qual participa também boa parte da grande imprensa. Mas mesmo assim nenhum jornalista sofreu qualquer tentativa de impedimento no exercício da profissão. Pretensos jornalistas da revista Veja inventaram histórias graves contra a presidente e contra o ex-presidente Lula, mas estão aí trabalhando. No entanto, em Minas Gerais, o Sindicado dos Jornalistas denunciou a perseguição e demissão de vários jornalistas encomendada pelo então governador Aécio Neves, só porque ousaram criticar, e todos com fundamento, o “imperador” mineiro-carioca. No Paraná, estamos vendo esses dois casos, sem contar o dos jornalistas da Gazeta do Povo que produziram aquela série fantástica de reportagens intitulada “Polícia fora da lei” e agora estão sendo chamados sistematicamente pela polícia Civil e Militar para revelar suas fontes. Ou seja, em vez de investigar as pessoas denunciadas, querem saber quem fez a denúncia para punir e, de quebra, intimidar quem divulgou, ou seja, os jornalistas. Esta é a diferença entre dois modos de governar: o do PT e do PSDB.