A terceirização e o serviço público no Brasil

Com o processo de votação do PL 4.330/2004, o tema das
terceirizações voltou ao debate da agenda pública em nosso país. Ainda que para
nós, do movimento sindical, ele nunca tenha saído de pauta, é importante
aproveitar a grande exposição sobre esse assunto para apresentar algumas
questões que nos são muito caras. Queremos discutir aqui o que já representa o
processo de terceirização no Brasil hoje e quais são as consequências danosas
que a precarização imposta pelo PL 4330 trará, em especial, aos serviços públicos.

O primeiro ponto que precisamos reconhecer é que a
terceirização já é uma realidade há anos em nosso país. Mesmo restrita às
chamadas atividades-meio (aquelas que não fazem parte das atividades
finalísticas de uma empresa), como vigilância, asseio e conservação, suporte às
tecnologias de informação, a terceirização configura um modelo de precarização
das relações de trabalho. Podemos perceber pelos estudos realizados por
entidades sindicais e seus parceiros que ela restringe direitos, impõe jornadas
de trabalho mais extenuantes (em média 3 horas a mais por semana) e deixa os
trabalhadores mais suscetíveis aos acidentes de trabalho (80% das vítimas de
acidentes são terceirizados). 

Além disto, outro dado relevante é que hoje no
Brasil não é a iniciativa privada a maior contratante de serviços
terceirizados, mas sim o serviço público. Isso tem duas consequências diretas.
A primeira é o aumento de custos ao Estado e a segunda é a perda de autonomia
do próprio Estado na consecução de seus objetivos.

A lógica do Estado mínimo apresentada pelo modelo
econômico neoliberal, aprofundada aqui ao longo da década de 1990, levou o Estado
brasileiro em todas as suas esferas (federal, estadual e municipal) a abrir mão
de servidores públicos de menos escolaridade (como copeiras, porteiros,
vigilantes, auxiliares de serviços gerais, entre outros) e terceirizar tudo o
que fosse possível. A partir de critérios mercadológicos, com uma definição de
valores extremamente subjetiva, são feitas licitações para contratação de serviços
terceirizados. Assim, elevam-se os custos ao Estado que paga às prestadoras de
serviços mais do que gastaria para manter os serviços por conta própria. 

Além
disto, a contratação destas empresas não garante a execução do serviço
contratado, pois não são incomuns os casos em que a grande empresa que ganhou a
licitação não tenha o conhecimento necessário para realizar determinada tarefa
e subcontrate uma outra empresa para isso. A esse processo chamamos de
quarteirização. Se isto custa mais caro para o Estado e, em última análise à
população, por que é que se optou por esse modelo? Um bom caminho para
encontrarmos a resposta talvez seja o fato de encontrarmos entre os principais
doadores de dinheiro para campanhas políticas justamente essas empresas que prestam
serviços ao Estado.

Para além da questão econômica, a segunda consequência
pode ser ainda mais danosa ao interesse público. Terceirizar significa
tornar-se dependente de um ente não estatal. Quem passa a ser o responsável
pela garantia da qualidade do serviço? O Estado, tomador de serviços, ou a
empresa contratada para prestar esses serviços? Seja de um ou de outro, esse
eterno jogo de empurra tem como principal vítima a população que mais precisa
destes serviços. Essas estratégias de desestatização do serviço público ao
longo dos anos ultrapassaram os limites das atividades-meio e ganharam vários
formatos. Parcerias Público-Privadas (PPP), Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIP), Organizações Sociais (OS), Fundações de Apoio, entre
outras. Com isso, na prática, médicos, professores, pesquisadores e outros
profissionais já prestam serviços terceirizados à população em nome do Estado.
Atividades estratégicas e de soberania nacional estão sob risco na medida em
que avança essa lógica do Estado mínimo.

É aqui que chegamos ao segundo ponto. O que está ruim
pode piorar. Caso seja sancionado o PL 4330 a terceirização de toda a cadeia
produtiva estará disponível não apenas para as empresas da iniciativa privada,
mas também para as empresas públicas. Na prática, a Petrobrás poderá terceirizar
todos os seus petroleiros, o Banco do Brasil todos os seus bancários e a EBSERH
(empresa criada para gerir os hospitais universitários) poderá terceirizar
todos os seus profissionais de saúde. Será o fim do concurso público. Será o
fim da autonomia e responsabilidade do Estado sobre aquelas atividades tão
essenciais aos cidadãos brasileiros. Mais do que isso, será a consolidação
deste modelo promíscuo entre Estado e empresas, movido pelo financiamento privado
de campanhas políticas, raiz da corrupção em nosso país.

O que queremos? Mais direitos e mais
democracia. Isso só será possível com a derrota do PL 4330 e com uma Reforma
Política através de um Assembleia Constituinte Exclusiva e Soberana.