A mídia ignora o direito de greve?

A greve é um direito expresso no artigo 9º da Constituição de 1988 e regulamentado – com muitas limitações – no ano seguinte,
em 1989, com a lei 7793. Trata-se de uma forma de pressão para alcançar
melhores condições de vida. No marco
contratual da relação entre capital e trabalho, a greve caracteriza-se como um momento necessário de ruptura.

Mesmo sendo um direito constitucional, chama a atenção o modo como o movimento grevista
é desrespeitado na cobertura da mídia. Não só pelos editoriais dos veículos
empresariais, mas também na abordagem de muitos profissionais competentes.
Repórteres e apresentadores questionam, de maneira aberta ou velada, a
legitimidade de uma greve e, por vezes, sequer escutam o chamado outro lado,
tão prezado pela ética jornalística. Neste caso, as direções sindicais e a categoria
nem sempre são ouvidas.

Na falta de aprofundamento sobre o contexto e o conteúdo do
movimento grevista, a saída das matérias jornalísticas normalmente é transferir
a análise dos fatos para a indignação do cidadão imediatamente afetado pela
falta do serviço paralisado.

Com isso, busca-se uma narrativa na qual a greve seria, em
tese, um ato específico e corporativo, frente ao interesse universal da
população. Na verdade, a mensagem passada é de que a greve prejudica a vida das
pessoas. Essa forma de abordagem jornalística desconsidera questões de conteúdo
e de essência fundamentais:

1) A maioria da “população afetada”
também são trabalhadores. E eles também necessitam de representação sindical e
contam com a greve como um mecanismo de negociação entre as partes, após um momento de impasse. Como vários direitos são
conquistados apenas com o recurso da greve, o benefício se estende mesmo para
aqueles que sequer suspeitam de onde vêm os direitos trabalhistas. No mínimo, o
jornalismo sério deveria ouvir também o “cidadão” que concorda com os motivos de uma greve.

2) Isso porque uma greve também acumula
uma série de tensões que hoje atingem de maneira geral todos os trabalhadores.
Ao lado da pressão sobre salários e falta de itens básicos, vemos também o assédio
moral e sexual, o risco de doenças do trabalho, a exploração acentuada sobre mulheres e negros, a falta de segurança e
condições de trabalho, que tocam com força inclusive na vida dos profissionais
de jornalismo. Por que ignorar esses debates?

3) Se, por um lado, ignora, deturpa ou condena os
motivos dos grevistas, os veículos de comunicação constantemente denunciam os
serviços precários hoje no Brasil, nas áreas de Saúde, Transporte Público,
Saneamento e Educação. Porém, será possível pensar em melhoria na prestação do
serviço que não passe pela melhoria das condições dos profissionais que o executam?

4) Apoiados na Lei infraconstitucional de
1989, algumas reportagens enfocam a crítica à greve apoiados no argumento dos serviços
chamados “essenciais”, conceito que merece um amplo debate jurídico. No
entanto, cabe a pergunta: Saúde, Educação, serviços funerários, comunicação,
segurança pública, quais serviços não são
essenciais? Esses trabalhadores, então, não teriam acesso a esse direito?

Algumas das respostas já sabemos. Mas o debate deve ser feito.