Um piquete no feudo da Votorantim

A cidade de Rio Branco do Sul, na região metropolitana de Curitiba, certamente confundiria um velho comunista que a visitasse nos dias de hoje. Isso porque a cidade se assemelha a um feudo. Embora, neste caso, este feudo está ligado diretamente ao mercado mundial. No alto de um morro, rodeada por pobreza, está uma das principais unidades de produção de cimento da Votorantim. 

Rio Branco do Sul é um mar de pobreza por todos os lados. Erguida no entorno da maior fábrica de cimentos da América Latina, o que se vê são casebres pendurados nos morros, onde moram os trabalhadores, à margem de córregos ou em fundo de vale, na geografia sinuosa do Vale do Ribeira. A malha viária esburacada, o mandonismo político e as perseguições contra ativistas são um filme repetido todas as tardes nessa região.  

Mas por dois dias, entre 5 e 6 de fevereiro, os caminhões ficaram impedidos de entrar na fábrica. Cerca de 100 trabalhadores decretaram o que é considerada a primeira greve da unidade, ao lado do setor administrativo de Curitiba. Informações da “rádio peão” calculam que o impacto na empresa no primeiro dia foi grande, uma vez que 50 mil sacas de cimento saem da unidade. A paralisação revelou dimensão nacional, na medida em que atinge outras unidades do país. 

O grupo Votorantim é uma espécie de senhor feudal da cidade. É claro, sem que seus donos precisem viver nela. O antigo presidente do grupo, Antônio Ermírio de Moraes, era apologista da Educação em seus artigos nos jornais nacionais, mas nunca ofereceu sequer um curso gratuito de capacitação dos trabalhadores, que precisam pagar sua formação para ingressar na sonhada fábrica. Inclusive, constava na atual pauta dos trabalhadores questões como maior verba de alimentação e maior auxílio para material escolar. Ou seja, questões básicas. 

A Votorantim recusou-se a negociar em meio à greve. Os trabalhadores brigaram pela garantia do mesmo patamar de aumento real visto noutras unidades do Paraná (cerca de 2%). Ao passo que ali, em Rio Branco do Sul, a proposta girou em torno de menos de 1% de aumento real. Os operários querem mais. No dia 5, o embate novamente foi transferido ao Judiciário e decisão judicial desmobilizou o piquete, embora os operários mantêm o estado de greve. Com isso, a Lei de Greve uma vez mais limitou o movimento dos trabalhadores. Mas não consegue impedi-lo. 

Aos poucos, os trabalhadores da Votorantim estão se surpreendendo com a própria força. José (que preferiu não identificar o nome), um dos operários que já havia sido demitido e reintegrado à empresa duas vezes, continua como voz firme no piquete que atravessou a noite em frente à fábrica. Ele estava animado, sorvendo um pouco de chimarrão, preparado para a madrugada que seria longa no primeiro dia de piquete. 

Um processo mais profundo e subterrâneo, que decisões judiciais não conseguem impedir, envolve disposição à luta e necessidade de melhores ganhos, o que também está se formando em Rio Branco do Sul, em consonância com o cenário no resto do país. Em meio à poeira espessa da extração de calcário do Vale do Ribeira, havia mais um importante piquete dos trabalhadores.