“Você acha que sou louco em deixar essa PeTezada (sic) do #&*@£ ter acesso aos documentos?”. Essa frase teria sido dita pelo ex-presidente da Câmara Municipal de Curitiba, João Cláudio Derosso (PSDB), no ano passado, a uma pessoa que o indagou sobre os nossos insistentes pedidos para ter acesso aos contratos e notas fiscais de publicidade firmados pela Casa. Estávamos no ápice da crise, às vésperas da instalação da CPI e nosso mandato já havia apresentado ao Conselho de Ética e ao Ministério Público algumas das representações que deram início aos procedimentos investigatórios. Mas até hoje, depois de inúmeros ofícios e tentativas constrangedoras, não conseguimos as credenciais que dariam à minha assessoria o pleno acesso à documentação que, agora, embasa as reportagens da RPC TV e da Gazeta do Povo, cujo importante trabalho de apuração reforça as suspeitas que já existiam naquela época sobre a destinação das verbas de publicidade.
Se a Lei de Acesso à Informação, sancionada no Governo Dilma, estivesse em vigor durante a administração de João Cláudio Derosso (PSDB), talvez agora nós, curitibanos, não estivéssemos nos sentindo moribundos espectadores de uma trama que vitima toda a sociedade e enoja os cidadãos de bem.
A legislação entra em vigor no próximo dia 17 de maio. Por meio desse instrumento todos poderão cobrar o poder público acerca de seus atos. Não será possível esconder o que é público a não ser em situações que os processos sejam sigilosos (o que não é o caso de bens e serviços contratados pela Administração Pública, como o que se tentou esconder).
Em outras palavras, isso significa que, pelo menos no que diz respeito à Câmara Municipal, o que estamos vivendo agora poderia ter sido evitado ou melhor fiscalizado – tanto as possíveis irregularidades que estão sendo apontadas quanto o desgaste institucional que elas acarretam.
Até mesmo a nossa atuação poderia ter sido bem diferente e até mais incisiva.
Por algumas vezes, pessoalmente, estive no setor onde está arquivada toda a documentação dos contratos de publicidade. Consultei pequena parte do material, que nos ajudou a fundamentar as denúncias que ingressamos no Conselho de Ética da Câmara e no Ministério Público. Essas consultas eram sempre superficiais e conturbadas, tendo em vista a mobilização de pessoas, a mando do então presidente, que nos vigiavam, distraíam e até mesmo coagiam, enquanto olhávamos os papéis. Posso dizer que nem eu e nem a minha assessoria conseguimos ficar a sós por um instante sequer com a papelada que indica o verdadeiro destino dos cerca de R$ 35 milhões gastos, teoricamente, em publicidade na Gestão de Derosso. É importante relembrar que não nos deixavam fotografar e muito menos tirar cópias dos documentos.
Desconfiávamos dos motivos dessa estratégia escusa, mas, agora, eles estão mais claros.
Se durante três meses de apuração, e com a análise de apenas 10% da documentação, já foi possível descobrir tantas relações suspeitas e possíveis irregularidades, imagine-se, então, se tudo for cruzado e checado da maneira apropriada.
Todas essas denúncias se basearam em apenas dois contratos. Nos 15 anos em que João Cláudio Derosso permaneceu a frente do Legislativo Municipal, ele assinou cerca de 180 — com diversas empresas de diversas áreas. Os recursos administrados pela Câmara são superiores aos de muitas cidades. O Legislativo fica com 4,5% de todo o orçamento municipal. Somente em 2012, por exemplo, a Casa irá gerir cerca de R$ 250 milhões.
Como tenho dito em diversas ocasiões, ao se “eternizar” no poder, alguns grupos se adonam do espaço público, tornando o que é de todos uma extensão de suas vidas particulares, tratando como seus o que é da coletividade, como se tivessem o “direito” de tirar proveito da posição política e administrativa em que estão. As declarações e confirmações desta semana estão aí para confirmar este raciocínio.
O senso comum e a enxurrada de suspeitas desqualificam e deslegitimam o trabalho de todos os parlamentares, como se todos estivessem envolvidos com a corrupção.
Nesse aspecto, tenho a consciência de que tenho feito a minha parte, adotando uma postura ativa, distante da omissão. Desde que os primeiros indícios de irregularidades foram apontados pela imprensa, ainda em 2011, o nosso mandato sempre buscou, por vários meios, a investigação e apuração dentro da Câmara Municipal. Contamos com o apoio do mandato do deputado federal Dr. Rosinha, que também levantou irregularidades: denúncias que resultaram em uma das ações civis propostas pelo Ministério Público do Paraná contra Derosso, por atos de nepotismo.
Também temos que ressaltar as dificuldades que nos foram impostas ao longo deste caminho. Vou lembrar outros exemplos, além dos já citados. Em julho de 2011, solicitamos cópias dos contratos de publicidade da Câmara Municipal, com o intuito de esclarecer as suspeitas de irregularidades levantadas pelo Tribunal de Contas: o pedido foi negado pela direção da Casa. Em setembro, eu e três assessores do mandato fomos ao Departamento de Administração e Finanças da Câmara Municipal, para checar informações daqueles contratos: por uma ordem direta da Mesa Executiva, fomos barrados. Ainda em setembro, recebemos a resposta de um pedido de informações internas sobre o Jornal “Câmara em Ação”: entre respostas evasivas e imprecisas, não obtivemos as informações solicitadas para apurar as suspeitas. Outro “detalhe” curioso: Derosso foi quem homologou os vereadores responsáveis pela CPI que investigaria os atos do próprio presidente.
Por meio de liminar concedida pela Justiça, enquanto suplente do Conselho de Ética, consegui participar da “reunião secreta” do Conselho e nossa participação acabou embasando o relatório que fomentou a instalação da CPI.
As dificuldades não nos desanimaram. Mantivemos nosso trabalho e parte do esforço coletivo resultou em fatos concretos: Derosso saiu da presidência da Câmara Municipal, três ações civis foram impetradas pelo Ministério Público e já surtem efeitos práticos (em decisão liminar, a Justiça determinou o congelamento dos bens do vereador).
Agora, os novos fatos exigem novas atitudes. De minha parte, a única coisa que não pode ser aguardada é a omissão. Continuarei pautando a atuação do nosso mandato pelos caminhos da ética, da coragem e da coerência.
As suspeitas levantadas são gravíssimas e envolvem uma rede mais ampla e complexa do que a que se imaginava inicialmente. É preciso elucidar os fatos e, uma vez apuradas as responsabilidades, todos os culpados precisam ser punidos. Exemplarmente.
A sabedoria popular tem uma máxima que pode ser aplicada à situação em que a Câmara de Curitiba se encontra: “há males que vem para bem”. Em que pese o tamanho do mal, e dos seus sintomas, que há anos nos atormenta e prejudica, agora que muitas máscaras caíram, pelo menos temos o conhecimento sobre a gravidade dos fatos e sobre a índole dos protagonistas desta comédia de terror.
Particularmente, também vivo a esperança de que, com a Lei de Acesso à Informação, esse acesso às informações públicas passará a ser a regra e não a exceção. Absurdos como os que estão sendo descobertos na Câmara Municipal, por exemplo, poderão ser investigados por qualquer pessoa.
Inclusive, com este instrumento, os vereadores sérios poderão cumprir com maior eficiência o seu dever de fiscalizar o Poder Público, tarefa que, pelo menos em Curitiba, historicamente, tem sido gravemente prejudicada por essa cultura do “adonamento”.
Então, que conheçamos a verdade e que ela nos liberte dos sintomas da dominação e do desconhecimento, para que um dia possamos, de fato, dizer que vivemos em uma democracia real.