Filhos esquecidos da pátria

30 anos depois, 400 ex-combatentes aguardam reconhecimento do governo argentino

Especial na Argentina
 
Um dos principais cartões postais da Argentina é a Casa Rosada, residência oficial da presidência da República. Roteiro de muitos turistas, a paisagem está modificada há quatro anos. É o tempo em que pelo menos 400 ex-combatentes da Guerra das Malvinas (ocorrida entre abril e junho de 1982) aguardam reconhecimento por terem lutado na guerra provocada pela Ditadura Militar, à época presidida pelo general Leopoldo Fortunato Galtieri Castelli. No 1º de maio, um jornalista do Sismuc esteve na Argentina e conversou com esses trabalhadores esquecidos pelo seu governo em meio ao processo de nacionalização da petrolífera YPF.
 
O “Campamento TOAS Plaza de Mayo” existe há quatro anos. Ele foi criado depois que ex-combatentes foram excluídos de decreto de lei em 1994 (governo Carlos Menen) que reconhecia os veteranos de guerra.  Os soldados contam que as Forças Armadas Argentinas reconhecem o ataque inglês na Costa de Caleta Olivia, provocando a morte de 17 pessoas, mas que por questões políticas a presidenta Cristina Kirchner se nega a receber os 400 sobreviventes. Eduardo Jose Ochoa, porta-voz do grupo, lamenta que os governantes se preocupem mais em exaltar a própria figura e se esqueçam do seu povo. “Os políticos têm o poder e o usam como entendem. O general Roca, por exemplo, é considerado um patriota pela elite e virou importante avenida em Buenos Aires. É uma mentira. Esse rapaz matou o povo nativo na Patagônia e também os aborígines. Ele vira herói nacional, mas aqueles que lutaram, que são a história viva, estão sem nenhum reconhecimento”, compara o veterano.
A guerra das Malvinas encontra um ponto em comum com a atual tentativa do governo em nacionalizar a petrolífera YPF: desviar o foco da recensão econômica que o país atravessa. Eduardo denuncia a manipulação dos governos ao ‘encontrar um inimigo comum’ para ressaltar a unidade do povo, o nacionalismo e assim se manter no poder. Em 1982, os “inimigos” foram os ingleses; 30 anos depois, a crise “é provocada” pelo capitalismo espanhol que controlam a petrolífera, ironiza Eduardo: “A YPF sempre foi uma empresa argentina. Mas depois dos anos 1990 muitas ações foram vendidas e controladas pela Espanha. Agora, esse governo, que tomava café com os espanhóis e dava palminha nas costas estatiza a empresa. Mesmo assim ela não está nacionalizada porque as ações ainda pertencem a mãos estrangeiras. É papo furado”.
Jogo de cena ou não, os ex-combatentes alertam tanto aos argentinos quanto aos brasileiros sobre a tentativa do capital especulatório internacional de tentar se apropriar das riquezas dos povos. Para os argentinos, a importância das Ilhas Malvinas se trata de petróleo, posição geográfica e identidade nacional. Por isso os argentinos a defendem tanto. Para o Brasil, o mesmo deve ocorrer com a Amazônia, que sucessivamente tem sido comprada por “investidores” internacionais até o dia que poderá ser declarada área autônoma.  “Muitas partes da Amazônia foram vendidas como a Patagônia Argentina. Eu calculo que dentro de 15 anos essas empresas vão pedir a autonomia do território. Isso vai acontecer no Brasil, Venezuela, Colômbia, Chile e Argentina”, prevê Eduardo.
Veja a seguir os principais pontos da conversa e confira a entrevista completa disponível em áudio no site do Sismuc
 

 

Os combatentes
“No ano de 1982, cumprindo o serviço militar obrigatório, a gente participou do conflito contra a Inglaterra pelas Ilhas Malvinas. A gente cumpriu ordens operacionais e protegíamos as bases navais que mais avalias provocaram a frota inglesa. Foram 22 aeronaves atingidas e 5 destruídas. Faz quatro anos que estamos instalados na Casa Rosada reivindicando ao governo ser incluído ao decreto criado pelo presidente Carlos Menen sob alegação de recursos financeiros. O decreto dá a entender que aqueles que combatiam em solo argentino não eram argentinos, mas apenas os aviões que combatia os ingleses eram. (A razão política) Isso é a negação do estado nacional da participação dos ingleses no continente, em três províncias: Terra do Fuego, Santa Cruz e Rio Negro. Nós fomos atacados e 17 de nossos companheiros morreram no continente. Eles foram reconhecidos e as famílias são beneficiadas por todos os subsídios, mas a gente que estava na mesma trincheira com as mesmas necessidades ainda não está reconhecida como veterano de guerra”.
Reconhecimento
“Nós acreditamos que Cristina Kirchner tem uma posição fechada que é não negociar conosco. A gente a documentação completa das três forças armadas que certificam a presença do inimigo em 1982 no continente. Temos a documentação, mas eles não nos escutam. Faz quatro anos que somos vizinhos da presidenta e ela não mandou ninguém para ver o que acontece com a gente. Isso é uma ofensa política, uma postura de uma pessoa está cega. Com que direito moral ela pede o retorno das ilhas se ainda tem 400 pessoas na praça que defenderam a soberania nacional”. 
Ditadura Militar
“O conflito foi feito pela Ditadura Militar para eles se manterem no poder. A jogada saiu mal. Perdemos a guerra e nenhum país internacional, como EUA, apoiou a Argentina. Chile participou, mas como aliado de Inglaterra. A ditadura chilena exalta que fez o possível para vencer os argentinos, pois tinham medo de que pudéssemos tomar alguma parte de seu território”.
“A gente foi usada. Nós tínhamos 20 anos. Todos éramos  meninos  armados e com nosso corpo fomos defender a soberania”.
“A população brasileira nos apoio, mas a América Latina passava por ditaduras. Chile apoiou a Inglaterra. O Peru apoiou a Argentina enviando aviões, caças, pilotos. Eles estavam dispostos a dar sua vida pela Argentina. O Uruguai também fez o mesmo. Brasil, eu me lembro, a população apoiava os argentinos e isso nos orgulhava, mas os políticos, não. A Inglaterra deixou navios em portos brasileiros”.
Reestatização da YPF
“Na minha opinião, a YPF sempre foi uma empresa argentina, mas depois dos anos 1990 muitas ações foram vendidas e depois concessionadas a Espanha. Agora, esse governo que tomava cafés com os espanhóis, que se tratava com grandes amigos, tomou a empresa. A YPF não está estatizada porque mais de 50% das ações pertencem a mãos estrangeiras. Então, o discurso de que a empresa está voltando é uma mentira, pois as ações foram vendidas em 1992 por Carlos Menen”.
As Ilhas Malvinas
“Em 1982, as ilhas não pertenciam à Inglaterra. Era um tratado para as pessoas que moravam na ilha de origem inglesa e argentinos. Os convênios internacionais existam há 150 anos, que dava autonomia da ilha aos ingleses, mas em 1982 a Ditadura e não a Argentina fez o movimento em direção as ilhas”. 
“As ilhas Malvinas (atualmente) pertencem a plataforma continental argentina. Por direito de espaço territorial pertence ao país. Mas em 1994, Carlos Menen fez convênio com a ONU (Organização das Nações Unidas) em que ‘deu’ aquele espaço aos ingleses. Agora, o governo da Cristina Kirchner pede que a ONU faça a Inglaterra negociar para devolver a ilha, mas isso é impossível. Os ingleses têm base militar de 1500 homens e a Argentina não encontra justificativa política para reclamar novamente a ilha”.
“A importância da ilha é pelo petróleo, pela produção de laranja e é um ponto estratégico, pois está quase no meio de dois oceanos. Também é simbólico para os argentinos, pois é uma questão de paixão do nosso povo”.
Soberania território nacional
“A soberania é um ponto muito importante. Hoje, por exemplo, muitas partes da Amazônia foram vendidas como a Patagônia Argentina. Eu calculo que dentro de 15 anos aquelas empresas de platanção em espaços americanos vão, onde tem muita água, muito petróleo,vão pedir autonomia do território. Isso vai acontecer no Brasil, na Venezuela, na Colômbia, na Argentina”.